quinta-feira, 20 de março de 2008

ao longo dos últimos dois anos, por circunstâncias específicas, tenho estado paricularmente exposto a reflexões em torno dos lugares ocupados pelos diversos agentes artísticos, no seu entrosamento com uma realidade que, de forma preguiçosa, lá se vai apelidando de pós moderna (o que dá logo vontade de perguntar quando é que a realidade foi moderna…), ou globalizante (uma espécie de caixa de pandora, só que sem caixa).

as formas de operar dos artistas são as que particularmente me interessam. são objecto de curiosidade que, já percebi, está para durar. mas, e para passar ao lado da proliferação de outros agentes de ligação existentes no ecossistema artístico – não são poucos merecedores de análises bem mais consequentes do que esta –, há um objecto de interesse específico que informa este texto: os apetites da reflexão crítica.

interessa-me focar e tratar daquilo que se tem tornado mais saliente. estando fora do país, apercebo-me que é simultâneamente aguda e possivelmente distorcida a percepção de algumas das suas realidades. há perigos ao ir por aí da forma descomprometida como proponho estas palavras e o seu propósito. no entanto, pode ser que a mera apresentação aqui pressuposta me faça avançar noutras direcções, esclarecendo alguns dos sintomas que aqui inclúo ou deixo intuír.

sou um leitor mais ou menos regular do site ‘artecapital’; às vezes vou lendo e relendo, outras vezes passo os olhos durante cinco minutos como o nosso chefe de estado faz aos jornais (eu também faço o mesmo, mas os tempos são outros e perder tempo hoje em dia com os jornais, sobretudo os nacionais, é pior do que perder tempo: é embrutecer).

mesmo que, interessado em arte, andasse por aí muito distraído ou a ter mais do que fazer do que ler os materiais disponíveis no sítio ‘artecapital’, não poderia deixar passar ao lado a importância que o trabalho levantado por aquela equipa concretiza.

respondendo, sorrindo muito como é meu costume, a uma pergunta dos meus botões, diria que se tivesse que justificar a relevância do ‘artecapital’, avançaria com múltiplos exemplos. entre eles, certamente aquele ilustrado pela forma como a crítica escrita, pelo menos no verão passado, andava a presentear os leitores de um jornal com estrelas e bolas pretas a propósito de exposições. uma ideia peregrina, tanto de quem nela pensou e de quem a ela se rendeu… vejamos qual será a progressão desse conceito.

eu cresci, também enquanto artista, num país onde determinado modelo de reflexão foi tomando forma, crescendo, exercendo a sua análise ou falta dela; de forma mais informada ou, muitas vezes, com os piores adereços que se podem colocar na palavra ‘subjectividade’. o caudal nunca foi muito abundante (e isso por si só qualifica incicativas como o 'artecapital'), inevitávelmente ia-se dar a duas ou três fontes ‘de referência’, que consequentemente se constituíam como lugares de um certo poder (nem vou alongar o assunto neste ponto: faço uma grosseira correpsondência das lições que a história nos foi deixando: portugal, a 'west coast' dos poderesitos intuídos; não obrigo ninguém a partilhar comigo este ponto de vista).

não me parece que o mesmo trote passe pelo ‘artecapital’. de facto, pela sua própria matriz e enquadramento, posso presumir sem grandes riscos que a ideia de transcender limites (e não repetir os modelos já oferecidos, pelo menos de forma consciente) está subjacente ao projecto; mas não posso avançar muito neste terreno, nem sou especialista nem quero induzir em erro. parece-me, no entanto, que não se trata tanto de ampliar a lente, mas de multiplicar as possíveis lentes que possam caracterizar os trabalhos e as ideas que andam a orientar os criadores, ambos ligados à própria ampliação do braço mediático social. é hoje possível encontrar vários tipos de estruturas semelhantes, em pontos diversos mas ainda assim circunscritos a determinados parâmetros.

o próprio ‘artecapital’ constituí terminal de expressão dessa multiplicidade, inscrita nas reflexões propostas: vocabulários mais ou menos pesados, ideias mais ou menos presas a esta ou aquela proveniência, estilos menos personalizados de pensar – melhor, de escrever - ou pelo contrário, fortemente vincados - a roçar o rídiculo, em alguns casos; mas valha-nos o humor involuntário!

a meu ver, é absolutamente essencial que a disparidade transportada por este tipo de veículo esteja contida nas propostas concretizadas; as leituras em paralelo de materiais diversos parecem-me uma forma importante de poder aprender e maturar as minhas próprias reflexões e escolhas. o modelo inclusivo e abrangente tende a ser encarado como mais um resultado entre outros, localizado no tempo? pois, que assim seja; no entanto, há que dele tirar partido.

como sugeri, os sítios que oferecem este tipo de olhar crítico disseminado em várias vertentes vão-se multiplicando, eventualmente inerentes e em consonância com as indústrias da cultura em expansão sincronizada com o mundo mediático. há um espaço cuidado e bem vindo para eles, exponencialmente relevante na altura e circunstâncias que proporcionam fácilmente o apontar do declínio realtivo à qualidade do mesmo tipo de exercício nos meios tradicionais, e da sua ultrapassagem ou assimilação pelo mercado (ver, a esse propósito e entre outros materiais, os textos do inglês julian stallabrass, famoso por crixificar a fórmula populista dos YBA)

ainda nesse contexto de mercado e alcance da influência do mesmo em termos operativos, a crítica encontrou há muito um serviço a prestar que lhe confere outras forma de poder, mais sinistras, com a contrapartida de ter de se adaptar a novas circunstâncias: o discurso crítico (peço nesta altura compreensão para os saltos que este texto vai dando, muitos dos elementos que convoco merecem por si só uma atenção especial à forma como se apresentam ‘embalados’) própriamente dito, tende a desaparecer desta equação e concentra-se, refugiado, numa marginalidade que foi cara aos contextos artísticos (e continuará a ser, ou é algo que se quer ultrapassar?)
como complemento a este propósito, sugiro a análise das circunstâncias que levaram ao corte de rosalind krauss com a ‘artforum’ e a criação da espartana ‘october’.

como estou a divagar mais do que preciso, corto a direito.
assim, além das dúvidas relativas ao inevitável texto com carácter que entendo duvidoso ou questionável que vai aparecendo, (sobre o qual paradoxalmente celebro a visibilidade, bem como o facto de poder ser lido), o que interrogo àcerca do ‘artecapital’, sem outras reticências, é uma grande ausência, experimentada de modo intuitivo mas creio que fácilmente comprovada, de textos que apresentem a realidade da cidade do porto.

sempre me pareceu ridiculo operar entre o discurso de bairro e o o discurso que encolhe os ombros de forma paternalista,sendo que o mesmo polariza vários níveis de discussão entre as realidades do porto e de lisboa, e que nunca chegam a aprofundar nada. aliás, todas as formas de simplificação nestes termos do ‘coitadinho preciso de atenção’ e do paternalismo que lhe é objecto directo são pobres mas estão infelizmente bem vivas.
resultado de um país pobre e centralizado em imagens e modelos de projecção distorcidos?
será preciso muito tempo e seriedade para responder a isto?
parece-me que não.

a coberto de todas as circunstâncias materias, pessoais ou outras, as quais me são estranhas, que possam orientar ou impôr linhas editoriais, parece-me descabido apresentar tamanha quantidade de textos sobre as realidades de paris ou nova iorque ou do artista x ou da dança de cadeiras entre comissários disto ou directores daquilo enquanto se passa calmamente ao lado daquilo que vai acontecendo, por exemplo, na segunda cidade do país – que, tal como parece que nem toda a gente percebeu por esta altura, tem mesmo uma vida artística vincada por museus, galerias e espaços activados por outros modelos. esse encolher de ombros, materializado no noticiar sobre um prémio para artistas na cidade de liverpool mas não sobre a abertura de um novo espaço na cidade do porto, revela exactamente o quê? é esta reflexão que me parece pertinente, até para pensar outro tipo de questões.

(já agora, notar bem: estou a exemplificar limitando-me às breves notícias que compõem uma das secções do 'artecapital', não aos textos mais extensos que o sítio oferece como elemento central; nesse campo, a realidade do porto que, pressupõe-se, importa reter, parece começar e acabar inevitávelmente no museu de serralves e pouco mais, como aliás convém para manter a tradição. pena é que em arte coisas relevantes continuem insistentemente a acontecer ao lado das mais programadas e por isso mesmo vistosas, como alias qualquer pessoa mais consciente e interessada no assunto constata.)

este texto pode ser reduzido a um apontamento meramente intuitivo, perseguindo de forma irregular uma condição que atravessa de facto a reflexão cultural portuguesa, e as formas de dar a ver e reflectir que a compõem, vistas à distância e através do foco oferecido pelo sítio ‘artecapital’, que por ser um projecto com alcance e uma relevância atestada, a meu ver, por alguns dos conteúdos críticos que propõe, deveria colocar atenção em factores que não são menores, nem inconsequentes; são estruturantes da realidade que todos temos responsabilidade em constituir e assumir.